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terça-feira, 13 de julho de 2010

Esboço de um caminhar

Queria lhe mostrar o mundo sem nem mesmo conhecê-lo, queria aventurar-se a cada esquina sem qualquer motivo aparente, queria criar desenhos, pinturas, textos, pelos simples fato de tê-lo participando de suas atividades.

Aqueles mesmos jovens que temiam o começo de suas vidas agora se agarravam com todas as suas forças a todos os fios que lhe eram visíveis, debruçados sobre o mesmo calor, respirando o mesmo ar envenenado por flores, agora secas.

Criavam fugas, as malas esperavam arrumadas, prometiam não se atrasar, juravam ter ido, sentido o cheiro, observado de longe, de perto sem se sentir, nunca partiam.

Entusiasmados como estavam, o tempo ganhava vida, pois passava apressadamente. E nesse passar apressado, iam lentos como rochas virando areia, num processo de intemperismo constante, em que cada novo grão que surgia ia sendo levado pelo vento até formar um solo macio junto dos outros grãos, da outra rocha, do mesmo solo. Era lento, macio, firme.


Eram um só.

Relembrando Caronte



Corriam homens e mulheres, idosos e crianças misturados na mesma nuvem cinzenta, ofegantes e atentos à volta de uma única barca velha que os levariam ao outro lado do rio.


A barca era conduzida por um homem magro, cabelos e barbas revelavam sua idade, as marcas no rosto eram profundas e sua arrogância amedrontava aquelas pobres almas desesperadas e vazias. A travessia era sempre lenta e cuidadosa, assim como a seleção dos passageiros. Cada vez que retornava para o lado dos vivos, a multidão se exaltava, ouvia-se gritos e choros, gratidão e humilhação perante o severo senhor que ia empilhando almas em sua barca e, ao mesmo tempo, empurrando para longe de si aquelas que julgava não merecerem o lado das sombras, já que não traziam consigo nada de valor e nem sequer tiveram um sepultamento digno feito pela família.

Esses seres que não tinham a permissão de atravessar o rio eram temidos pelos vivos, pois caberia a eles vagar por cem anos no mínimo à margem do rio e atormentariam a vida daqueles que a possuíam.


Semblantes revigorados de um lado, a angústia ensurdecedora do outro, e continuava o velho homem a remar sua pequena barca de madeira firme, desgastada pelo suor da morte.