terça-feira, 28 de dezembro de 2010
repeat, wiederholen, répéter, ripetere, repetir.
"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música."
Assim disse Friedrich Nietzsche, em sua consciente loucura. Impressiona-me cada vez mais e cada vez mais me eleva, ainda que não possa voar. Observo passivamente todo o desabar à minha volta, que embora não me atinja, me sufoca. Tenho poderes limitados e suficiente sabedoria para reconhecê-los, em minha condição já se reconhece tudo o que se repete, o ato de repetir ensina, acostuma, condiciona. O amor? Que se repita, estou a esperar. Não espero amores, e sim o mesmo amor sempre, multiplicando-se ainda mais. Que se repita.
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
(In)Certeza faz a diferença
Aquele pântano sombrio e melancólico ministrava sobre ela uma energia miraculosa, indecifrável. Era um misto de oásis com sensações próximas ao sublime, infinitas e poderosas sensações.
Era aquele chão macio e alagado, aquela lama profunda que a mantinha estática, seu corpo não necessitava de muito, embora o pouco não a poupasse de o querer.
Sabia ser tudo uma fase, o mundo era apenas uma fase, temia as próximas, buscava por vias cada vez mais densas e sem voltas naquele pântano sedutor uma antecipação de tal teoria, ou desejos, não havia certeza.
Seus descansos eram banhados de tamanho sossego que já não fazia falta quando não ocorriam, mesmo se o fôlego lhe faltasse. A escassez habituara-se a ela, ou ela aceitara a escassez. Tudo era escasso. Nela e à sua volta. Os gritos ensurdecedores a enchiam de desespero e as árvores anãs envolviam seus galhos e folhas, sem aquecê-la, mas a protegiam e isso era como a vida para ela.
Era a vida para ela.
Talvez pudesse haver mais vida ou proteção ou calor em outros lugares, mas o que havia ali era a sua certeza, seu bem maior e o motivo de tudo o que agora ela sentia. Não precisava de muito, quando já se tem tudo.
sexta-feira, 6 de agosto de 2010
terça-feira, 13 de julho de 2010
Esboço de um caminhar
Queria lhe mostrar o mundo sem nem mesmo conhecê-lo, queria aventurar-se a cada esquina sem qualquer motivo aparente, queria criar desenhos, pinturas, textos, pelos simples fato de tê-lo participando de suas atividades.
Aqueles mesmos jovens que temiam o começo de suas vidas agora se agarravam com todas as suas forças a todos os fios que lhe eram visíveis, debruçados sobre o mesmo calor, respirando o mesmo ar envenenado por flores, agora secas.
Criavam fugas, as malas esperavam arrumadas, prometiam não se atrasar, juravam ter ido, sentido o cheiro, observado de longe, de perto sem se sentir, nunca partiam.
Entusiasmados como estavam, o tempo ganhava vida, pois passava apressadamente. E nesse passar apressado, iam lentos como rochas virando areia, num processo de intemperismo constante, em que cada novo grão que surgia ia sendo levado pelo vento até formar um solo macio junto dos outros grãos, da outra rocha, do mesmo solo. Era lento, macio, firme.
Eram um só.
Relembrando Caronte
Corriam homens e mulheres, idosos e crianças misturados na mesma nuvem cinzenta, ofegantes e atentos à volta de uma única barca velha que os levariam ao outro lado do rio.
A barca era conduzida por um homem magro, cabelos e barbas revelavam sua idade, as marcas no rosto eram profundas e sua arrogância amedrontava aquelas pobres almas desesperadas e vazias. A travessia era sempre lenta e cuidadosa, assim como a seleção dos passageiros. Cada vez que retornava para o lado dos vivos, a multidão se exaltava, ouvia-se gritos e choros, gratidão e humilhação perante o severo senhor que ia empilhando almas em sua barca e, ao mesmo tempo, empurrando para longe de si aquelas que julgava não merecerem o lado das sombras, já que não traziam consigo nada de valor e nem sequer tiveram um sepultamento digno feito pela família.
Esses seres que não tinham a permissão de atravessar o rio eram temidos pelos vivos, pois caberia a eles vagar por cem anos no mínimo à margem do rio e atormentariam a vida daqueles que a possuíam.
Semblantes revigorados de um lado, a angústia ensurdecedora do outro, e continuava o velho homem a remar sua pequena barca de madeira firme, desgastada pelo suor da morte.
segunda-feira, 24 de maio de 2010
Minha porta para um mundo de possibilidades
quinta-feira, 13 de maio de 2010
Amor poético e suave
E acho que desde o princípio sabia e desejava incansavelmente, só bastava acontecer e desde então tenho tido a certeza disso.
Eu flutuava. Não era de prazer ou puro capricho. Talvez ansiedade comum que surge às vezes. Por certos momentos fui capaz até mesmo de sentir aquela brisa gélida de quando você corre no frio ou anda de bicicleta. E quanto mais flutuava sobre aqueles corpos pétreos abaixo dos meus pés, mais vontade eu tinha de permanecer a observá-los, todos no mesmo estado decadente, suas frustrações expostas se misturavam, sorriam como máquinas. E vendo tudo aquilo, sentia vergonha por eles. A única coisa que nos diferenciava era a capacidade de expor a vida. Eu nunca demonstrava minhas mágoas e ciúmes e anseios (...). Apenas os tinha, os mantinha trancados para meu próprio uso. Iam-se um a um, aos poucos, sem pressa. Deixava saudade, por mais que não gostasse tanto assim, havia me acostumado.
O mais impressionante de tudo e ao mesmo tempo, o melhor ocorrido ate então, é o fato de que no lugar dessas partes que se desprendem, aos poucos eu vejo crescer espontaneamente um mundo novo, de inúmeras novidades e que logo é absorvido.
Não há aquela necessidade de avaliação ou experimentação e sim o uso, quase obcecado.
Cresce e cada vez mais toma conta de mim. Ainda não sei com exatidão do que se trata. Poderia ser um novo tipo de relação entre seres ou coisa do tipo.
Enquanto escrevo, estudo ou me alimento, essa "força" me impele a realizar qualquer dessas práticas comuns, das pessoas comuns, Não reclamo, pois já floresce e é sentida e notada a presença devastadora, o resultado de todo o processo inicial encantador.
Uma de suas curiosidades é o fato de crescer e não suprir. Quanto mais fixa se torna, mais necessidade eu sinto. Não é como antes com as outras presenças, que me saturavam facilmente e via-me obrigada a empurrar para o mais longe de mim possível, sem hesitar.
“Imediatamente a curiosidade tomou conta dos dois, que partiram apressados, vencendo os obstáculos, como cães de caça ao ver o animal, esquecendo-se do decoro e entregando-se ao entusiasmo.”
E então me dei conta de tudo aquilo, agora indubitável.
Todo o meu corpo permanecia na inércia do momento. Inefável, inesgotável, inestimável, inexprimível.
Não apenas flutuava agora eu girava e a cada nova volta novas palavras surgiam em minha mente, tentando encontrar uma palavra cabível à situação.
Em meio às piruetas, voltas e danças no ar, dois corpos lado a lado, pernas entrelaçadas.
Entreolhavam-se e não havia ali a necessidade de nenhum subterfúgio. O ambiente era quase sublime. Respiravam juntos. Era um misto de surpresa, descoberta e prazer que às vezes se tem com um presente especial, mas aquilo parecia ter um significado ainda maior.
Um verdadeiro match amical.
terça-feira, 4 de maio de 2010
Segredo confiado
Quase quatro horas depois levanta-se de vez, cambaleando quase sem conseguir abrir os olhos e lava o rosto, depara-se com uma imagem fosca, sem brilho e imersa em nuvens matinais. Recorda-se que talvez tenha chance de vê-lo nesse dia, 30 dias oficiais(quase solta gargalhadas, aquilo não soa comum para ela, nunca fora até então) e deixa a água correr pelo corpo sem pressa, relaxado e ainda com a quentura da cama, o velho cobertor xadrez.
Faz questão, quase como uma necessidade tola, de demonstrar sua boa vontade de tudo naquele dia, suas histórias de fim de semana, sua tagarelice comum. Afinal, dia comum da rotina escolar. Amigos comuns. Tudo igual.
E escurece fora daquela sala fria do ar condicionado, ela estremece e reclama, por dentro um grito súbito e ensurdecedor. Sai do local e não admite, como sempre, disfarçando as incertezas e esperanças, somente se vira ao cruzar o portão de fim de escada. Ele não esperava sentado. O sorriso não se abrira como ensaiara e planejara meticulosamente.
-Mas nem era de se esperar, pra que tanta ansiedade? Você mesma disse que não sabia. Nem acreditava.
-Mas e daí, queria. Sempre quero e no fundo, sempre espero.
Mais uma olhada pra trás. Vai embora. Caminha nas calçadas com lama pisoteada e pálida. E até chegar em casa, ouve as músicas repetidas no último volume, ignorando o pedido de um senhor qualquer, finge não ver rostos conhecidos. Vai pra casa, só isso.
E se falam, felicidade instantânea que ela faz questão de cultivar.
Inconsciência, torpor, azedo, fome. Não foi por vontade propriamente dita, mas logo precisa sair dali, não suporta mais, na verdade não quer. Bobeiras que tenta explicar a sí mesma, mas a sensação ela não mudaria, ficaria ali contida por mais um tempo. Sensação inconveniente. Aquele "xoxo" definiu.
Passaria, certamente. Ser mais objetiva, direta era quase impossível, o orgulho emana. Rí daquela cena patética criada por ela mesma.
Noite de um dia especial terminada de forma líquida que explodia dos olhos castanhos cansados.
Lê, ironicamente:
"Dizia que o outono logo chegaria, que o fogo do amor queimava a carne e depois se queimava - apagando-se e desaparecendo para sempre.
- Tu precisas ir em frente, teu barco tem que passar pela minha ilha, tu tens trabalho a fazer.
- Este é o meu trabalho e esta é a nossa ilha."
E se deita, deseja e espera. Paciência. "Mantém o sangue frio e o coração quente."
quinta-feira, 22 de abril de 2010
E voa
Não sentira mais nada depois das palavras, duras e secas, cravadas como uma lança que fere bem fundo e arde depois, mas passa. Esse hábito desagradável das discussões já havia sido esquecido. Esperava incansavelmente por qualquer demonstração de reconhecimento, mas nada viria, nem depois. Aceita e sai, com sua preguiça rotineira, cotidianidade que incomoda.
Tilintar de moedas e rabiscos no caderno entre fios do fone onde saem algumas músicas lentas. Abre a bolsa e pega a foto que tirara fazia um mês mais ou menos, não lembra. Tenta a tarde inteira, portanto não adiantava, a memória nunca a ajudava, falhava em momentos que ela não suportava admitir isso, falhava apenas, admitia por fim, não tentava mais.
Talvez também não se lembre, mas sonhara na noite passada. Seria um sonho inútil, a ponto de nem se lembrar que sonhou? Não sabe, então cria seus sonhos, ou os recria, da maneira como realmente gostaria, como vê o melhor pra si, se é que é o melhor.
Céu escuro e muitas estrelas. Prefere não admirá-las nessa noite, acende seu mini abajur e briga com o sono e com aquela luz difusa que dificulta a leitura, o braço também dói com o simples ato de segurar o livro, vira-se tantas vezes que já consegue notar algumas dobras na ponta da página marcada. Prometera sem nenhum motivo concreto levantar-se cedo, andar pela casa vazia, apreciar o sol da manhã, talvez o único que gostava, pra depois pensar em realmente utilizar esse tempo todo concedido por sua interrupção no sono, outrora tão valioso.
Aquele mesmo sol que antes seria pra apreciar, agora joga seus raios fortes e quentes na cara que tem marcas do lençol fino que cobrira os pés frios pela noite, os mesmos pés que a conduziram ao devaneio de sombras por tantos cantos e diversos momentos fugiram sem explicação, nem mesmo pra si, que pouco sabe das coisas, e que tanto quer saber.
As obras que lê, os filmes que gosta, os pensamentos mais baratos. Simplicidade e necessidade se fundem como a tristeza e a alegria que não são como o óleo e a água, elas convivem. Lembrara disso do filme da noite passada, que vira deitada sobre o tapete e que ao se levantar notara que as pernas estavam marcadas, e que sempre haveriam marcas, quaisquer que fossem, sempre estariam presentes, boas ou más, bem vindas ou não. No momento as marcas têm sido aprofundadas, ela quer que sejam ainda mais, pois não as conhecia até então, e coisas novas sempre tem aquele êxtase, de coisa nova mesmo! E percebe a cada dia que a novidade também começa, assim como as outras banalidades de sua vida, a se tornar uma rotina, e passa a não ser mais uma novidade. Só há uma coisa que a diferencia: vontade. Da vontade surgem mais outras coisas, que dão em outras mais e que só se conclui em algo como ‘nunca pensei, mas não tenho vontade de mais nada, a vontade disso me basta. ’
E vê, e abraça, e senta ao lado sorrindo, e sorrindo o beija. Vida (...). E escorrega as mãos sobre os braços e a respiração é rápida como foi dito, nem percebera antes. Vontade (...). Sabe que já chega a hora de se despedirem, finge não se importar, por dentro dói, fala que partirás junto, mas suas próprias palavras, e vontades, a traem.
As costas viradas subindo a rua vão se distanciando, pouco a pouco, sem pressa. Escorada sem coragem de dizer, demonstrar qualquer coisa, esboçar um sentimento.
Molha o rosto com a água da bica, se culpa. Frágil como uma semente, que concentra dentro de si uma energia enorme, só precisa de um solo firme pra germinar. Ventos de qualquer direção a empurram fazendo com que voe, fixa-se pelos cantos e espera outro vento mais forte, na direção contrária, levá-la ate aquele solo, que a encanta e que aprecia sem pressa, com paciência invejável.
A voz ouvida com dificuldade do outro lado da linha telefônica mistura-se a ruídos. Fala de cabeça baixa, como se o outro tivesse enxergando-a, fecha os olhos e vê a semente parada de um lado, vento forte vindo do outro, junto com uma chuva que inundará o ponto mais alto, exceto aquele onde ficará a semente que tanto desejou e nada mais via, em seu estado de contentamento (...).